sábado, 15 de outubro de 2011

15 de Outubro - Por um Professor

Nosso voo

Wilson Correia

Mensagem ao movimento de não violência contra o capital financeiro, o 1% dos plutocratas

senhores do mundo, a corrupção diabólica, o sindicalismo pelego, a política partidária

submissa e a destruição do bem comum.

Sou um indignado. Creio que vocês que aqui estão também são indignados. Mas o que causa

essa nossa indignação?

O capital financeiro. Quando terminou a Segunda Guerra Mundial, diziam-nos que o Estado

de Bem-Estar Social, por assegurar direitos, empregando, para isso, a riqueza socialmente

produzida, terminaria por dificultar a livre concorrência na economia de mercado. De 1970

para cá, começando por Inglaterra e Estados Unidos da América do Norte, essas ideias

fizeram com que os estados se tornassem mínimos para o social e hercúleo para o capital,

incluindo o Brasil. Hoje, era do capital financeiro, o Estado protege o setor bancário e

penaliza o cidadão. Até quando teremos forças para suportar essa perversidade sistêmica,

pela qual o mercado manda no Estado, na sociedade e em todos nós? Até quando o capital

vai governar e o Estado apenas administrar? Aqui, hoje, estamos dizendo que nossas forças

encontram-se exauridas. Não agüentamos mais e pedimos medidas contra essa tirania.

O 1% que manda no mundo a preço de moeda. Quantas cabeças, atualmente, mandam no

mundo sob a influência do capital, do cifrão? Apenas 1%! Os ricaços que expropriam do

povo e dos trabalhadores as riquezas materiais, culturais e sociais que eles produzem. Etienne

de La Boétie falou da servidão voluntária ao UM. Isso lá pelo ano de 1600. Vamos servir

voluntariamente ao 1% que enche sua pança à custa do nosso suor? Não podemos mais!

Nossas barrigas também clamam por alimento. Nossas cabeças pedem cultura simbólica e

educação de qualidade. Nosso ser pede a potencialidade política inerente a nós, cujo dever

não é o de apenas ir votar no dia da eleição, mas o de sermos reconhecidos como portadores

de poder. A soberania política cabe ao povo, e não ao 1% de plutocratas que quer juntar em

suas mãos todas as expressões de poder. Não à tirania do UM!

A corrupção. As riquezas socialmente produzidas pelo povo pertencem ao povo. Membros

de partidos políticos e assemelhados que desviam as riquezas socialmente produzidas não

merecem nosso respeito. A violência da corrupção é silenciosa. No máximo, ela pode ser

ouvida na lágrima de quem perde o ente querido, porque nosso serviço de saúde não o atende

condignamente. A violência da corrupção é sub-reptícia. Talvez ela possa ser encontrada no

soluço de nossos companheiros que deixam a escola e a universidade por conta da exclusão

social, cultural e política que se abate sobre eles. A violência da corrupção é um horror.

Ela só é captada no desespero de quem vê amigos e parentes mortos por desalmados que se

aproveitam de nossa segurança falida para perpetrarem a morte. A corrupção é um crime de

lesa-humanidade e, por isso, hediondo, inominável, repugnante. Isso nós não podemos tolerar.

Que o legislativo, o judiciário e o executivo tenham a sensibilidade para entenderem esse

nosso repúdio e tomarem medidas concretas contra o assalto ao bem comum.

O sindicalismo aparelhado. Nem sempre os interesses, necessidades e reivindicações dos

segmentos atuantes no mundo do trabalho coincidem com as jogatinas partidárias. No entanto,

o que vemos no Brasil é a prática de um sindicalismo atrelado às diretrizes programáticas

dos partidos políticos. Os sindicatos, quando não cooptados completamente pelos partidos

políticos, terminam se prestando a trampolins diversos para a obtenção de vantagens por

parte de indivíduos cuja subserviência repugna a todos e a todas nós. Precisamos de entidades

representativas fiéis aos interesses dos trabalhadores, preferentemente soberanas e não

alinhadas a partidos políticos ou máquinas estatais. Que os companheiros de bem que militam

no setor sindical tenham o discernimento para ouvir essa reivindicação. Não apoiemos, pois,

nenhuma ação sindical que rifa nossa dignidade e que se faça indigna de nós.

A política partidária submissa. A cada eleição o número de votantes diminui. Mais e mais

os partidos políticos e seus membros se distanciam das necessidades e reivindicações do

povo, dos eleitores. Já não se fala mais em crise de representatividade, mas, sim, em colapso

da legitimidade dos partidos políticos e de seus membros. É por isso que o povo do Chile

fala diretamente com o presidente da república. É por essa razão que os indignados, mundo

afora, estão tomando para si próprios as rédeas das conversações sobre as decisões políticas.

Que aprendamos a lição e façamos o mesmo. Só com nossa ação direta o exercício do poder

poderá ser mais transparente, justo e respeitador de nossos direitos. Não terceirizemos a

prática política. Peguemos em nossas mãos a tarefa de fortalecer nossas instituições para que,

sob nossas diretrizes, o Estado deixe de ser pau mandado do sistema econômico. Atuemos

em nossas instituições e assemelhados de origem para que, assim, tenhamos força para

enfrentarmos o poder do UM.

A destruição do bem comum. Vivemos um momento histórico em que a mentalidade

privatista leva tudo de roldão. Isso não pode continuar. A dimensão social da vida precisa

ser urgentemente resgatada. O mundo do “eu” e do “meu” não pode se agigantar a ponto

de aniquilar o mundo do “nós” e do “nosso”. Importemo-nos uns com os outros e façamos

o que estiver ao nosso alcance para resguardarmos a integridade de nossa rua, nossa praça,

nossa luz elétrica, nossas áreas de lazer, nossas escolas e universidades; de nossos hospitais

e de nossa segurança pública, e assim por diante. Cuidemos, atentos, do bem comum, esse

que os plutocratas querem reduzir a pó; esse que o Estado mínimo não preserva; esse que as

empresas privadas querem igualado ao lixo, justamente porque nos relegam à condição de

consumidores. Não somos apenas consumidores. Saúde não é mercadoria. Educação não é

mercadoria. Segurança não é mercadoria. Tudo isso entra na lista de nossos direitos. Lutemos,

dura e obstinadamente, para conservá-los porque eles nos pertencem e existem por conta

dos infindáveis tributos, taxas, impostos que pagamos dia e noite. Aliás, os ricos não pagam

impostos. Só nós, os trabalhadores, é que não nos safamos deles. Também a isso nós, aqui e

agora, estamos dizendo “não!”.

Para terminar, lembro-me daquela ave que, no interior de uma gaiola, foi adestrada a voar

apenas até bater nas pequenas grades de sua prisão. Quando ela foi solta mundão aberto

e livre, ela já não mais voava para além dos limites aos quais havia se acostumado no seu

tempo de cárcere. Havia perdido a habilidade de voar. Não tinha mais competência para bem

empregar suas próprias asas. Ora, o capital financeiro, o Um, os corruptos, os sindicalistas

pelegos, os políticos nos partidos submissos e os destruidores do bem comum nos querem

como aquela ave que não desenvolveu a competência para voar. Não nos resignemos.

Mostremos para eles que nosso voo não tem limites. Nosso limite é o azul do céu.

Recôncavo, Bahia, Brasil, 15 de outubro de 2011.