Nosso voo
Wilson Correia
Mensagem ao movimento de não violência contra o capital financeiro, o 1% dos plutocratas
senhores do mundo, a corrupção diabólica, o sindicalismo pelego, a política partidária
submissa e a destruição do bem comum.
Sou um indignado. Creio que vocês que aqui estão também são indignados. Mas o que causa
essa nossa indignação?
O capital financeiro. Quando terminou a Segunda Guerra Mundial, diziam-nos que o Estado
de Bem-Estar Social, por assegurar direitos, empregando, para isso, a riqueza socialmente
produzida, terminaria por dificultar a livre concorrência na economia de mercado. De 1970
para cá, começando por Inglaterra e Estados Unidos da América do Norte, essas ideias
fizeram com que os estados se tornassem mínimos para o social e hercúleo para o capital,
incluindo o Brasil. Hoje, era do capital financeiro, o Estado protege o setor bancário e
penaliza o cidadão. Até quando teremos forças para suportar essa perversidade sistêmica,
pela qual o mercado manda no Estado, na sociedade e em todos nós? Até quando o capital
vai governar e o Estado apenas administrar? Aqui, hoje, estamos dizendo que nossas forças
encontram-se exauridas. Não agüentamos mais e pedimos medidas contra essa tirania.
O 1% que manda no mundo a preço de moeda. Quantas cabeças, atualmente, mandam no
mundo sob a influência do capital, do cifrão? Apenas 1%! Os ricaços que expropriam do
povo e dos trabalhadores as riquezas materiais, culturais e sociais que eles produzem. Etienne
de La Boétie falou da servidão voluntária ao UM. Isso lá pelo ano de 1600. Vamos servir
voluntariamente ao 1% que enche sua pança à custa do nosso suor? Não podemos mais!
Nossas barrigas também clamam por alimento. Nossas cabeças pedem cultura simbólica e
educação de qualidade. Nosso ser pede a potencialidade política inerente a nós, cujo dever
não é o de apenas ir votar no dia da eleição, mas o de sermos reconhecidos como portadores
de poder. A soberania política cabe ao povo, e não ao 1% de plutocratas que quer juntar em
suas mãos todas as expressões de poder. Não à tirania do UM!
A corrupção. As riquezas socialmente produzidas pelo povo pertencem ao povo. Membros
de partidos políticos e assemelhados que desviam as riquezas socialmente produzidas não
merecem nosso respeito. A violência da corrupção é silenciosa. No máximo, ela pode ser
ouvida na lágrima de quem perde o ente querido, porque nosso serviço de saúde não o atende
condignamente. A violência da corrupção é sub-reptícia. Talvez ela possa ser encontrada no
soluço de nossos companheiros que deixam a escola e a universidade por conta da exclusão
social, cultural e política que se abate sobre eles. A violência da corrupção é um horror.
Ela só é captada no desespero de quem vê amigos e parentes mortos por desalmados que se
aproveitam de nossa segurança falida para perpetrarem a morte. A corrupção é um crime de
lesa-humanidade e, por isso, hediondo, inominável, repugnante. Isso nós não podemos tolerar.
Que o legislativo, o judiciário e o executivo tenham a sensibilidade para entenderem esse
nosso repúdio e tomarem medidas concretas contra o assalto ao bem comum.
O sindicalismo aparelhado. Nem sempre os interesses, necessidades e reivindicações dos
segmentos atuantes no mundo do trabalho coincidem com as jogatinas partidárias. No entanto,
o que vemos no Brasil é a prática de um sindicalismo atrelado às diretrizes programáticas
dos partidos políticos. Os sindicatos, quando não cooptados completamente pelos partidos
políticos, terminam se prestando a trampolins diversos para a obtenção de vantagens por
parte de indivíduos cuja subserviência repugna a todos e a todas nós. Precisamos de entidades
representativas fiéis aos interesses dos trabalhadores, preferentemente soberanas e não
alinhadas a partidos políticos ou máquinas estatais. Que os companheiros de bem que militam
no setor sindical tenham o discernimento para ouvir essa reivindicação. Não apoiemos, pois,
nenhuma ação sindical que rifa nossa dignidade e que se faça indigna de nós.
A política partidária submissa. A cada eleição o número de votantes diminui. Mais e mais
os partidos políticos e seus membros se distanciam das necessidades e reivindicações do
povo, dos eleitores. Já não se fala mais em crise de representatividade, mas, sim, em colapso
da legitimidade dos partidos políticos e de seus membros. É por isso que o povo do Chile
fala diretamente com o presidente da república. É por essa razão que os indignados, mundo
afora, estão tomando para si próprios as rédeas das conversações sobre as decisões políticas.
Que aprendamos a lição e façamos o mesmo. Só com nossa ação direta o exercício do poder
poderá ser mais transparente, justo e respeitador de nossos direitos. Não terceirizemos a
prática política. Peguemos em nossas mãos a tarefa de fortalecer nossas instituições para que,
sob nossas diretrizes, o Estado deixe de ser pau mandado do sistema econômico. Atuemos
em nossas instituições e assemelhados de origem para que, assim, tenhamos força para
enfrentarmos o poder do UM.
A destruição do bem comum. Vivemos um momento histórico em que a mentalidade
privatista leva tudo de roldão. Isso não pode continuar. A dimensão social da vida precisa
ser urgentemente resgatada. O mundo do “eu” e do “meu” não pode se agigantar a ponto
de aniquilar o mundo do “nós” e do “nosso”. Importemo-nos uns com os outros e façamos
o que estiver ao nosso alcance para resguardarmos a integridade de nossa rua, nossa praça,
nossa luz elétrica, nossas áreas de lazer, nossas escolas e universidades; de nossos hospitais
e de nossa segurança pública, e assim por diante. Cuidemos, atentos, do bem comum, esse
que os plutocratas querem reduzir a pó; esse que o Estado mínimo não preserva; esse que as
empresas privadas querem igualado ao lixo, justamente porque nos relegam à condição de
consumidores. Não somos apenas consumidores. Saúde não é mercadoria. Educação não é
mercadoria. Segurança não é mercadoria. Tudo isso entra na lista de nossos direitos. Lutemos,
dura e obstinadamente, para conservá-los porque eles nos pertencem e existem por conta
dos infindáveis tributos, taxas, impostos que pagamos dia e noite. Aliás, os ricos não pagam
impostos. Só nós, os trabalhadores, é que não nos safamos deles. Também a isso nós, aqui e
agora, estamos dizendo “não!”.
Para terminar, lembro-me daquela ave que, no interior de uma gaiola, foi adestrada a voar
apenas até bater nas pequenas grades de sua prisão. Quando ela foi solta mundão aberto
e livre, ela já não mais voava para além dos limites aos quais havia se acostumado no seu
tempo de cárcere. Havia perdido a habilidade de voar. Não tinha mais competência para bem
empregar suas próprias asas. Ora, o capital financeiro, o Um, os corruptos, os sindicalistas
pelegos, os políticos nos partidos submissos e os destruidores do bem comum nos querem
como aquela ave que não desenvolveu a competência para voar. Não nos resignemos.
Mostremos para eles que nosso voo não tem limites. Nosso limite é o azul do céu.
Recôncavo, Bahia, Brasil, 15 de outubro de 2011.