segunda-feira, 4 de julho de 2011

Carta Aberta a Imprensa por Walter Gandarella a Segunda-feira, 4 de Julho de 2011 às 11:11

Salvador, 04 de Julho de 2011

Caros amigos da imprensa,

Esta carta é um desabafo. Um desabafo e um protesto.

Deve ser muito frustrante exercer a profissão de jornalista no Brasil e principalmente na Bahia. Uma profissão que tem por ideal transmitir os fatos, repassar os acontecimento, quem sabe até formar opiniões e conscientizar o povo. Mas é tão difícil exercer este papel hoje, que nos contentamos a escrever e reportar apenas o que nos é mandado. Sim, apenas o que nos é permitido por essa minoria de políticos e empresários com interesses pessoas nos permite, essa mesma minoria que, infelizmente, é a dona de grande parte dos meios de comunicação do país.

Realmente deve ser muito frustrante, ir para as ruas, presenciar atos e fatos mas ter de escrever com outras palavras, as vezes maquiando um pouco, as vezes maquiando completamente, as vezes trazendo a notícias totalmente reescrita. As vezes nem se quer tocando no assunto.

E é disto que falo desta vez, do “nem sequer tocando no assunto”, e agora explico o porque desta revolta e desta carta de desabafo. Não tenho a intenção de que esta carta seja publicada em mídia alguma, já que esta carta não é notícia, esta carta veio depois da notícia, da notícia não publicada.

Sou integrante de um dos muitos grupos que lutam contra a construção da Usina de Belo Monte, no rio Xingu. Somos muitos, milhares, mas reunidos em pequenos grupos, é verdade. Mas a imprensa nacional está comprada (ou sendo obrigada) de uma forma que chega a ser vergonhoso. Fizemos um protesto pacífico no nosso famoso dia de 02 de Julho (dia da independência da Bahia), saímos da Lapinha e seguimos todo o trajeto do cortejo até a praça do Campo Grande, e por onde passávamos, recebíamos aplausos e apoio, as pessoas gritavam conosco o “não a Belo Monte”, pediam para tirar fotos de nossos cartazes, apertavam nossas mãos.

Essa atitude popular nos surpreendeu, pois nem nós mesmos do movimento sabíamos que a causa estava sendo entendida pela população, mesmo a menos favorecida, os que não tiveram muita informação, estavam lá nos apoiando. Inúmeras foram as vezes em que fui parado, eu e meus colegas, com gente perguntando “o que é Belo Monte”, e quando dizíamos a palavra “hidrelétrica” eles já cortavam nosso discurso e diziam, “estou com vocês”, pois já sabiam do que se tratava. O povo é contra também.

Chegamos à Praça Municipal e campamos em frente à imagens dos Caboclos, que são símbolo do 2 de Julho para nós. Acampamos ao ponto de atrapalhar a quem queria tirar uma foto das imagens ali reverenciadas, mas o que mais impressionou a nós: ninguém se incomodou, nem pediu para nós sairmos, nem reclamou por querer bater uma foto. Ao contrário do que pensamos, fomos apoiados a ficar ali, bateram fotos conosco, cantaram e gritaram conosco. O único pedido para que saíssemos dali veio da TV Bahia, que queria entrar ao vivo direto dos festejos, mas queria que nós não fossemos vistos. Exercendo nosso direito de ir e vir, nosso direito de protesto, nós ficamos. E o melhor, o POVO apoiou nossa permanência até que a TV Bahia deu o braço a torcer (ou não podia sair dali sem a transmissão) e fez as imagens com o movimento na frente.

A mesma TV Bahia, ao que todos sabem, é afiliada à Rede Globo, que na época da Marcha da Liberdade, produziu uma edição do “Profissão Repórter” mostrando os movimentos de protesto populares em todo o país. Mas Salvador ficou de fora, mesmo tendo enviado um representante do programa que nos acompanhou durante todo o trajeto. E sabem porque? Porque em Salvador, a marcha foi quase que toda dominada pelo movimento contra Belo Monte. E não só o de Salvador não foi retratado no programa deles, como também não se viu nenhuma gravação de protestos contra Belo Monte em todo o país, e sabemos bem que houveram tais protestos por todos os estados. O que será que aconteceu? A Globo e a imprensa em geral está proibida de divulgar tais protestos?

O povo sabe do que se trata. O povo reprova a construção da usina, e ainda assim o povo está sendo enganado por não poder saber que seus irmãos de todos os cantos do país pensam igual. Pois nenhum meio grande de comunicação divulgou nenhum movimento, todos se calaram.

E não falo só do caso de Belo Monte no desfile de 2 de Julho. Houveram vários protestos populares. E entendam que quando digo populares, é do povo mesmo. Nós. Não afiliados a partidos. Não gritando por várias causas. Nós, povo, desprovidos de costas quentes. A exemplo dos movimentos que saíram em marcha neste 2 de Julho estão o Movimento Exu Tranca Ruas, Salvador Sobre Trilhos, Revitalização do Pelourinho, Bicicleta em Salvador, Dia do Basta, Anonymous, Não a Belo Monte, Não 'a Corrupção, e tantos outros, que não têm vínculo nenhum com partidos políticos e nem admitiram que nenhum de seus integrantes desfilassem com qualquer sigla ou símbolo partidário, ainda assim, não fomos levados a sério pela imprensa.

Acredito que, na verdade, quando digo “não fomo levados a serio pela imprensa”, eu esteja falando dos poderes superiores de cada redação, seja de jornal impresso, internet, rádio ou TV. Porque os repórteres em si, os fotógrafos e cinegrafistas, devidamente identificados para cada meio de comunicação, estes estavam lá, estes fotografaram, filmaram e entrevistam muitos dos movimentos. Sou prova disto, pois eu mesmo vi e fui registrado em imagens. Mas aí vem a frustração de ser um jornalista na Bahia, e no Brasil. É chagar tarde, depois de um dia inteiro debaixo de sol, registrando momentos cívicos do desfile, bem como momentos de protestos, e ver que na redação grande parte do seu trabalho, de sua visão social, de sua ideia de notícia, foi descartado e virou mero arquivo nos porões sujos das entidades jornalísticas.

Navegando por algumas notícias publicadas, pude ver apenas pequenas notas, quase imperceptíveis, citando os movimentos populares neste 2 de Julho, e ainda por cima, da pior espécie, pois estas poucas ligavam tais movimentos a partidos políticos e suas manifestações pre eleitorais. Um verdadeiro absurdo e uma distorção da verdade.

É realmente vergonhoso.

Eu hoje, se tivesse de escolher uma formação, realmente pensaria duas vezes antes de escolher uma em que eu não poderia exercer plenamente meus conhecimentos, minha formação e minha opinião, como tem acontecido com o jornalismo hoje.

Obviamente esse problema não é só do Jornalismo, mas, cá entre nós, o peso de uma notícia é muito maior do que o ideal de quem a escreve, e deve ser dada de forma clara e objetiva, e sem interferências de opiniões pessoais. Toda notícia deve ser imparcial.

Com este desabafo, talvez mal escrito, talvez não; talvez faltando pedaços, talvez não; Me despeço e espero que a consciência de um jornalismo verdadeiro e sem tendências, um dia, chegue a este país. Pois quanto mais as coisas erraras forem mascaradas, mais coisas erradas acontecerão.

Walter Gandarella Barreiro Neto

walter.wgbn@gmail.com