*DIOGO BERCITO*
DE SÃO PAULO
O governo da Islândia está aproveitando as redes sociais de internet para
uma função inusitada: a escrita da nova Constituição do país, em
substituição à atual, de 1944. O conceito, no jargão da web, é o de
"crowdsourcing", ou seja, realização de projetos com ajuda maciça de
usuários da internet.
No caso da Islândia, isso foi facilitado pelo fato de o país, no norte da
Europa, ter população pequena (311 mil habitantes), altos níveis
educacionais e praticamente 100% de acesso à internet.
As reuniões da Assembleia Constituinte são transmitidas on-line, e os
cidadãos dão opinião nas redes sociais (sobretudo Facebook) a respeito da
nova Carta. O resultado dessa colaboração civil será um rascunho entregue em
29 de julho para votação no Parlamento.
Em entrevista à *Folha*, a primeira-ministra islandesa, Jóhanna
Sigudrardóttir, afirma que a experiência trouxe aumento da "consciência a
respeito dos assuntos constitucionais" e que "o debate sobre essas temas
fundamentais nunca esteve tão vivo".
Entre as questões discutidas pela internet está a troca do sistema
semipresidencial (em que presidente e primeiro-ministro dividem o poder) por
um modelo parlamentar. "Estou no aguardo para ver como a posse dos recursos
naturais será abordada", diz Sigudrardóttir. "É um assunto muito
controverso, diante dos nossos estoques de pesca, de certa maneira
privatizados no último governo."
Para o economista Thorvaldur Gylfason, 59, a nova Constituição é reflexo da
crise de 2008, em que o mercado financeiro do país ruiu.
"Quando todo um sistema bancário entra em colapso, devemos checar as
fundações constitucionais das estruturas econômicas e políticas", diz, em
entrevista à *Folha*.
Ele é um dos 25 membros da Assembleia Constituinte, eleitos com voto popular
em 2010, entre 522 candidatos.
"Rascunhar uma Constituição pela internet é bastante diferente de quando os
legisladores consideravam mais seguro estar fora de alcance."
A participação popular garante, segundo o economista, contribuições nas
áreas de domínio de cada cidadão.
Por exemplo, foi incluída a sugestão feita por um policial de que a
Constituição torne mais fácil a recuperação de propriedades roubadas.
A primeira-ministra acredita que o apoio amplo da população é essencial para
uma nova Carta, "pois [um novo texto] significa um novo contrato social".
"Temos todas as razões para envolver a sociedade em todas as etapas."
O produto final desse processo, para Gylfason -que culpa a corrupção
bancária e o lobby da indústria pesqueira pela quebra do país- tem de ser
como uma "barreira contra governos incapazes".